Jantar "Haute Cuisine" com Elementos "Moleculares" 05Mar08

Como ja mencionei, nao gosto muito do termo “gastronomia molecular” e estou adicionando com proposito comunicativo. Eu havia resolvido montar um jantar mais no estilo ”fine dining” para um casal de professores que me visitou. Quis incorporar alguns elementos “humoristicos”, ou experimentais, por assim dizer, ja que o professor (meu mentor de PhD) gosta de contar uma piada aqui e ali. Comecei servindo alguns diferentes tipos de salame, como o cajun, thuringer, um leve italiano e um com sementes de funcho/erva doce. Havia tambem um queijo brie triple cream com crackers, diversos tipos de azeitona e pimentoes doces grelhados. Servi um cocktail chamado “Champagne Destilado”, que eu criei especialmente para a ocasiao e eh basicamente feito de uvas rose carbonadas com CO2 (usando o iSiWhip), cobertos com Brandy que foi encorpado com um pouco de goma Xanthan, para que aderisse as uvas. As uvas foram carbonadas dentro do sifao por mais ou menos 2 horas. Modestia a parte, o resultado ficou sensacional.

Enfim, os pratos que servi foram os seguintes:

1) “Laranja e beterraba” com po de oleo de oliva. Esse prato eh basicamente dois cubos de gelatina de suco de beterraba cor de laranja e suco de laranja-sangue (uma laranja com cor purpura). O inventor do prato, que visa pregar uma peca no pobre cliente, eh o Chef Heston Blumenthal, do The Fat Duck. Pra modificar um pouco o original, servi com um pouco de po de oleo de oliva, que eh feito combinando tapioca maltodextrin com oleo de oliva na proporcao 1:2 em peso. Esse po eh um amido de baixissima densidade. Quando vc come o po, o oleo de oliva se reconstitui na boca. Entao, o prato acabou sendo uma reconstituicao da classica salada de blood oranges e beterrabas douradas. Minha namorada achou que eu era maluco de realmente servir um prato desses individualmente para visitas, entao eu servi apenas um prato pra que todos provassem e ficassem confusos. O prato foi um sucesso parcial. Segui a receita do Blumenthal, mas se fosse fazer de novo eu reduziria o suco para dar mais profundidade ao gosto da gelatina.

2) O segundo prato foi uma entrada, que basicamente era feita truth about enzyte de uma fatia pequena de bochecha de porco, em cima de “sunchokes” salteados na manteiga. Os sunchokes sao raizes de uma especie de girassol, e sao tambem chamados alcachofras de Jerusalem. O gosto eh um meio termo entre a mandioquinha e a batata. A bochecha de porco (na minha opiniao, a parte mais gostosa do porco) foi cozida em 60 graus celsius por 2 horas, e depois assado a 200 graus Celsius por 30 minutos, e entao cortado em pedacos. Foi servido com um pure de alho assado (confit de alho) e fatias de macas caramelizadas com cebolinha fina. Esse prato eh uma criacao minha. Fez tanto sucesso que a namorada pediu que eu o transformasse em um “prato normal”, com mais de cada ingrediente.

3) O terceiro prato foi uma salada de rucula com tomates variados, pignoli e queijo de cabra, temperada com um vinaigrette de champagne, tambem criada pelo senhor aqui (como se fosse grande coisa criar uma salada).

4) O prato principal foi uma versao de ossobuco. Nao fiz a receita do post, pq ja que o jantar era mais requintado resolvi fazer com vitela. Pra quem nao sabe, vitela eh um boi bebe, que ainda esta sendo amamentado.

(Lamento machucar os vegetarianos, mas nao tenho culpa se vitela eh uma delicia. Alias, gosto de Bourdain quando diz que os vegetarianos deviam aprender a cozinhar os seus vegetais propriamente antes de encher o nosso saco. Em todos os restaurantes vegetarianos que ja fui, os legumes foram cozidos ate ficar quase uma pasta. Quase todas as pastas vegetarianas tem um gosto semelhante. Tenham do. Nao sei como conseguem comer isso.)

Enfim, a vitela foi cozida em metodo semelhante ao osso buco de boi (postado previamente em video no blog), mas vc pode deixar de meia a uma hora a menos. E eu usei uma temperatura menor, mais ou menos 160 graus Celsius. Substitui tambem o vinagre balsamico por vinagre de Xerez, que eh mais leve e nao se sobrepoe ao sabor da vitela. Adicionei um pouco de demi glace (previamente preparado) ao molho.

A vitela foi servida sobre um pure de mandioca, e alguns aspargos assados c/ suco de limao, oleo de oliva e sal.

5) O ultimo prato foi um “mousse de chocolate sem ovo”, um prato paradoxal feito com chocolate Callebaut. O prato eh uma especie de protesto humoristico contra nao servir ovo cru para grupos (o que eh uma regra comum aqui nos EUA, devido aos problemas de maionese e etc). Eu aerei o mousse usando oxido nitroso, no iSi Whip, para nao precisar bater (na verdade, o mousse eh uma panna cota aerada). Servi com um “ovo” artificial. O gema foi feita com suco de maracuja, usando a esferificacao do Ferran Adria, com alginato e cloreto de calcio, e um pouco de citrato de sodio para diminuir a acidez. Foi um parto desenvolver esse prato, ja que tive que acertar o minimo pH para que o alginato tomasse presa (em torno de 4), e que o suco de maracuja nao perdesse a caracteristica acida. Pra quem nao conhece, uma solucao de suco c/ alginato e citrato de sodio eh colocada dentro de uma colher e submergida em cloreto de calcio em uma colher, para tomar a forma de uma esfera. Vc entao lava a esfera, e o resultado eh uma “gema”, com uma camada gelatinosa por fora e liquido por dentro. Quando vc fura, a gema extravasa, como em um ovo frito.

A clara foi feita com creme de leite fresco com acucar e baunilha, engrossado com goma Xanthan. A ideia do ovo artificial eh originalmente do Wylie Dufresne, do WD-50 de NY, soh que ele faz com outros ingredientes.
Fotos abaixo.

Entrada de Bochecha de Porco Cozida 2 Vezes em cama de Sunchokes, com Pure de Alho Assado e Macas Caramelizadas (note que nao limpei bem a borda do prato, onde tinha escorrido um pouco do acucar da maca ). De um desconto, ja que alem de colocar a comida nos pratos tbem tive que come-la ! )